Eu
costumava virar Uber nos finais de semana. Era o único jeito de ganhar um dinheiro
extra para quando a minha filha nascesse. Começava logo após o expediente e
dirigia até as onze da noite. As vezes mais. Era bem cansativo, mas o cansaço
não pesa tanto quando se tem um bom motivo.
Naquele
domingo, deixei um grupo de amigos bêbados em seu destino. O relógio marcava
onze e quinze. Eu estava exausto. Tudo o que eu queria era voltar para casa, e para
minha esposa. Quando recebi uma nova corrida pensei em recusar. Mas o valor...
era alto. Muito maior do que qualquer outro que eu já tivesse recebido.
Só
essa e depois vou para casa, pensei.
Aceitei.
Dei partida e comecei a dirigir até o ponto de embarque. As ruas estavam
desertas. Banhadas por aquela luz amarela e tremula dos postos. Liguei o rádio para
cortar o silêncio que eu fingia que não me incomodava. Uma música sertaneja
começou a tocar. Me distraiu por um tempo, até que ela entrou no carro. Era
jovem, talvez tivesse por volta dos vinte e cinco anos.
—
Boa noite! — disse eu, verificando seu nome no aplicativo. — Amanda?
Ela
não respondeu.
Aquilo
nem me incomodava. Eu não costumava interagir com a maior parte dos passageiros.
A maioria passava a corrida ao celular, apenas pagava, agradecia e descia.
Então apenas segui com a corrida.
A
rota dava para uma área mais afastada da cidade. Conforme me aproximava do
destino, as luzes começaram a ficar mais espaçadas e os prédios eram substituídos
por casas baixas e varandas silenciosas.
Olhei
para o retrovisor. Ela estava imóvel, encarando a estrada com os olhos arregalados.
Não a vi com o celular, nem a ouvi dizer uma única palavra desde que entrou. A
luz fraca do painel deixava seu rosto ainda mais pálido.
—
Tá tudo bem? — perguntei.
Ela
continuou em silêncio.
Senti
um leve arrepio. Instintivamente, fui para fechar as janelas, mas elas já
estavam fechadas. Então liguei o aquecedor.
O
rádio chiou por alguns segundos antes de mudar de música. Meu estomago revirou
quando olhei o retrovisor de novo. Por um segundo ela não estava mais lá. Virei
com tudo e ela estava no mesmo lugar, mas com os olhos fechados e a cabeça
encostada no vidro.
Eu
devia estar cansado. Muito cansado.
Quando
finalmente cheguei ao destino, vi uma casa velha. O portão estava caído, as
janelas quebradas. O lugar parecia abandonado a anos.
—
Amanda?
Quando
virei para trás, o banco estava vazio.
Fiquei
parado por alguns segundos, tentando processar o que estava acontecendo. Pisquei algumas vezes,
esperando que fosse só o cansaço pregando peças. Mas não era. Ela
simplesmente... não estava mais ali.
Olhei
ao redor. A rua estava deserta. A casa abandonada à minha frente parecia ainda
mais morta sob a luz falha do único poste da rua. Peguei o celular para
encerrar a corrida, mas o aplicativo já mostrava: corrida não iniciada.
Franzi
a testa. Rolei a tela e só então percebi: havia uma notificação.
"Oi,
você está chegando?"
Olhei de novo para o banco de trás. Vazio. E o relógio marcava meia-noite em ponto.
AVISO: Todos os textos postados no blog são ORIGINAIS e de MINHA AUTORIA. Não me importo que reproduzam, desde que deem os devidos créditos. Plágio é crime.
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